
ÍNDICE
A “INSTANT ART” DE PAIVA BRASIL
PAIVA BRASIL NA GALERIA BANERJ
ELOGIO AO SILÊNCIO
A COR NA OBRA DE PAIVA BRASIL
SIMPLES E DIRETO
PAIVA BRASIL NO MNBA
JOGOS DA ARTE
PAIVA BRASIL: 50 ANOS DE ARTE
PAIVA BRASIL E O LABIRINTO DA COR
Luiz Chrysostomo de Oliveira Filho
TANGENTES
Luiz Chrysostomo de Oliveira Filho
PAIVA BRASIL : PERCURSO
O INFINITO PARTICULAR DE UM MESTRE DA ABSTRAÇÃO

WALMIR AYALA
Paiva Brasil foi um dos artistas mais apreciados pelo grande crítico holandês Sandberg, quando da reunião do júri de premiação do último Salão de Verão do jornal do Brasil. Para os críticos locais foi uma surpresa verificar o grande avanço deste artista sensível e antes dado a um paisagismo de qualidade, mas convencional. Especialmente para mim que acompanho a pessoa e a obra de Paiva Brasil em sucessivos encontros em salões de arte, e onde sempre apreciava sua disciplina técnica a serviço de temas tão cômodos e sem qualquer proposta de esforço na assimilação, o novo Paiva Brasil foi motivo de alegria mesmo. A alegria de ver a sensibilidade subordinar-se, de repente, a um conceitualismo mental, de verdadeira raiz, em terreno que se supunha tão ingênuo e indefeso. A pessoa de Paiva Brasil dá esta sensação de estar pedindo licença para estar presente, no entanto, que força interior, de reservas de reflexão e de capacidade de pesquisa! Descobrimos posteriormente a vocação inequívoca de Paiva Brasil para a programação visual, por exemplo, e sua grande qualidade de gráfico. São detalhes jamais pressentíveis em sua pintura de matéria e expressionismo da fase anterior. Quando aparecem, no salão de verão antes citado, aquelas variações espaciais em torno da forma do número cinco, era em realidade um artista novo mostrando o que guardava no mais fundo de sua modéstia e de sua contida capacidade. Por que o número cinco, esta obsessão de Paiva Brasil? Talvez por ser um número cuja forma reflete bem a trilha expressiva do nosso barroco, talvez por ser um número que integra a reta e o círculo inacabado (mas potencial), possibilitando assim um sem número de composições capazes de formular esta verdadeira bachiana visual. Uma forma que consente a repetição sem monotonia. Talvez um apelo interior, misterioso, uma relação da infância com o número escolhido como módulo. A verdade é que Paiva Brasil, abstratizando um número, no caso o número cinco, construiu a riqueza visual que se pode ver nesta exposição... O artista dedilha o velho teclado da invenção do espaço negativo, move seu símbolo gráfico com precisão matemática, lógica esquemática, espírito de rigoroso construtivismo, esfuma a cor básica, deixando os fundos chapados e amortecidos de um velado opaco, cria uma sensação nítida de perspectiva infinita de cosmos habitável, de abertura espacial. Seu número é um satélite suspenso e organizado dentro de uma harmonia universal que ele sintetiza no limite ilusório de uma tela. Sem grandes violentações do suporte convencional, Paiva Brasil elimina sutilmente o conceito do suporte. A tela inteira, sua dimensão real, é um todo plástico palpitante e uno, uma realidade visual na qual o gráfico e a pintura se equilibram para a consumação de um momento de poética matemática. Saudamos um novo pintor, um artista que consentiu em sair de sua sombra protetora e fecunda, para lançar, como pássaros, seu geometrismo pleno de sugestões e iluminado de uma positiva alegria.”
Catálogo da Exposição no Museu Nacional De Belas Artes, Rio de Janeiro, 1974

FRANCISCO BITTENCOURT
A “INSTANT ART” DE PAIVA BRASIL
“No princípio era o número.‘Deus jubila-se com o número ímpar’, disse Virgílio. Da antiguidade aos nossos dias tenta-se decifrar esse enigma que é o ímpar, quantidade absoluta. As religiões orientais e ocidentais vivem às voltas com os números. O ocultismo criou a numerologia para estudar através dela o destino do homem. Os poetas, de Virgílio a Garcia Lorca, sempre sentiram fascinação muito grande pelos números. Por que não os artistas plásticos, já que além de possuir forte carga significante, o número é uma forma essencialmente plástica e gráfica? Robert Indiana é o exemplo internacional moderno de maior sucesso do emprego do algarismo nas artes visuais. Aqui, Paiva Brasil dá uma contribuição que me parece cada vez mais dinâmica à arte nacional com seu trabalho com números.
Com estudos básicos de desenho no antigo Liceu de Artes e Ofícios do Rio, de desenho estrutural e composição no MAM da mesma cidade, com Santa Rosa, e de pintura com Sanson Flexor, este arista passou muito tempo criando uma pintura bastante convencional, centrada na paisagem, em que não transparecia qualquer tipo de inquietação ou desejo de mudança. Na verdade Paiva Brasil protegia sua insegurança por trás das fachadas das igrejas que pintava. A técnica era boa, há um público certo para esse tipo de pintura e ninguém iria questionar um trabalho que apenas era feito para ser mostrado em pequenas galerias, para círculos restritos. Paiva Brasil, porém, não se sentia satisfeito com o que estava fazendo. Depois de anos de indecisão, e com uma coragem que só merece aplausos, o artista deu o passo e atravessou a linha que separa o conformismo da experimentação. Com isso ele sabia que, de vontade própria, estava se atirando às ferozes iniciava uma trajetória por cominhos arriscados e desconhecidos, que teria de decifrar sozinho.
O processo de tomada de consciência deve ter sido longo e doloroso. De caráter modesto, e afável, Paiva Brasil preferiria, que sabe, viver num mundo onde a arte não tivesse de ser perigosa, nem desafiante, ambígua ou questionadora de suas próprias estruturas. A lucidez deve tê-lo perseguido como uma chama, até queima-lo. Quando aceitou finalmente seu destino de artista contemporâneo, na virada desta década, Paiva Brasil sabia que a partir de então não poderia procurar refúgio nos esquemas bem comportados da pintura tradicional e satisfeita consigo mesma.
Suas primeiras experiências tendo por base o número foram feitas sobre tela, com pintura de spray. Era um trabalho muito limpo e organizado, de severa construção gráfica, com planos separados pela disposição da cor em várias gradações. O resultado ainda era frio, mas já representava algo de totalmente novo na carreira do artista no seu enfoque de extrema contemporaneidade, na tentativa de transfigurar não a realidade óbvia, mas de colocar dentro da arte um problema mental específico e singular – o do número como elemento significativo num contexto pictórico.
Aos poucos, a estrutura rígida foi se afrouxando, a aspiração construtiva devidamente dissecada e assimilada passou a fazer natural da corrente sanguínea do processo criador. No espaço de dois ou três anos o artista não só cominou completamente seu “concetto” de números como realidade pictórica, mas também experimentou com grande desenvoltura no campo da escultura fazendo objetos com números. Foi nesse período que passou a mostrar seus trabalhos em salões, quando ganhou prêmios na III Mostra de Artes Visuais do Estado do Rio de Janeiro, (1974), no Salão de Artes Visuais de Universidade Federal do Rio Grande do Sul, (1975), e no Salão Nacional de Arte Moderna, (1975). A segurança de manipulação e o gosto da liberdade deram a Paiva Brasil a capacidade de iniciativa e a vontade de ousar. Ele quis ir sempre mais longe, se aprofundar cada vez mais nos problemas que se havia proposto ao dar o salto. Começou então a desenhar, voltando assim à raiz do seu trabalho.
Tendo-se iniciado na sua nova fase com uma técnica mais mecânica de spray, e passando pelo normógrafo, chegou ao uso do carimbo, que agora tanto usa na “pintura” como no “desenho”. (Com quadros carimbados de cinco tirou este ano o prêmio de Viagem ao País do Salão de Arte Moderna.). Da apresentação impessoal, programada e balanceada, atingiu um ritmo de atropelamento. Do número frio, pintado para conseguir efeitos de graduações de tonalidades, chegou à criação de uma quase poética numérica, com algarismos antropofágicos, uns comendo os outros. Do sinal chegou ao símbolo, num processo brilhante de libertação da prisão técnica anterior.
A arte, hoje, é um grande debate sobre o comportamento do homem diante da vida, a desforra do indivíduo contra a massificação. Cada artista atinge o estágio da contemporaneidade quando se apresenta livre da opressão tecnicista. Paiva Brasil conseguiu esse feito. Seus instrumentos de trabalho são apenas meios, e agora já não lhe importa mais se está ‘pintando’, ‘desenhando’, carimbando suportes ou simplesmente criando suas constelações de cinco num humilde caderno escolar”.
Catálogo da Exposição no Museu Nacional de Belas Artes – RJ - 1976

GERALDO EDSON DE ANDRADE
PAIVA BRASIL NA GALERIA BANERJ
A pintura de Paiva Brasil tomou novo e decisivo rumo a partir de 1972. Antes figurativa, fincada num expressionismo colorístico com o qual procurava aglutinar habilmente impressões de três elementos essenciais da paisagem brasileira: casario colonial, igrejas barrocas e natureza, numa discussão em torno da própria pintura, nos quais sobressaia uma força telúrica de motivos que lhes eram afins. Tendência, portanto, de evidenciar uma temática vivencial de seus anos de adolescência, em Campos, cidade onde nasceu e se criou, pintura que posteriormente, ele reformularia, motivado por sua experiência como programador visual, atividade profissional que desenvolvia paralela à pintura. Os cinco, que assumem o primeiro plano de seu trabalho de maneira obsedante no final dos anos sessenta e decorrer dos anos setenta, seriam, assim, um prolongamento do seu trabalho gráfico. Com eles, Paiva Brasil chegou, inclusive, a ensaiar positivas tentativas escultóricas com objetos de madeira com lúdicas intenções, porquanto solicitava a participação do público para suas amplas possibilidades formais. Artista metódico, consciente do seu ofício, ele pesquisou muito e intensamente antes de mostrar ao público suas primeiras pinturas em torno de uma numerologia exclusiva, centrada no número cinco, agigantando, tomando toda a dimensão da tela, sobre fundo chapado, a lembrar, como muito bem ele acrescentou, a linguagem do outdoor, sem contudo perder a caracterização de pintura, mesmo quando passou do número cinco isolado, a forma absoluta, para a multiplicação do carimbo. O conseqüente desdobramento dessa temática está nessa série denominada pelo artista de “Coletura”, cujos primeiros trabalhos foram vistos numa individual realizada na Petite Galerie, em 1978, logo após ter conquistado o Prêmio de Viagem ao Exterior no 1º Salão Nacional de Artes Plásticas. “Coletura”, termo empregado entre gráficos, significa uma prova de máquina fora de registro, aquela que ainda não está em condições para impressão. Baseado nesse conceito essencialmente gráfico, Paiva Brasil concentrou o enfoque do seu trabalho, onde leva mais adiante as pesquisas iniciadas com o carimbo, justapondo esse elemento ao processo serigráfico impresso diretamente na tela e à pintura propriamente dita. Resulta dessa junção de variadas técnicas uma escrita propositadamente ininteligível, a “Coletura”, que dá margem ao artista realizar uma pintura de poética abstração em torno de um tema que se desdobra em veladas matizes coloridas. Dentro dessa linguagem, ao mesmo tempo gráfica e pictórica, porque uma complementa a outra nas suas composições abstratizantes, uma obra sólida de um pintor em plena maturidade.
Apresentação da exposição na Galeria Banerj (verso do cartaz) - 1982

WILSON COUTINHO
ELOGIO AO SILÊNCIO
Na Galeria Bonino o campista Paiva Brasil apresenta quinze telas, e nelas há toda uma lógica construtiva. É uma mostra elegante pela ordenação das obras...e cuja sobriedade não elimina a intensidade lúdica das formas – algumas sugerindo ou mostrando em letras, como o A que abre a sua mostra.
É verdade que a obra de Paiva contém um forte fascínio por índices que ele transforma em elementos da sua obra. Muito tempo, Paiva Brasil ocupou-se com o número 5, utilizando-o como elemento formal e poético da sua obra.
Embora possa haver sugestão das letras neste atual trabalho de Paiva Brasil, ele se apresenta diante de uma clara objetividade. O que pesa agora e, com rigor impecável, é o elemento colorido que torna sua mostra algo feliz de se olhar, de percorrer com os olhos as suas tranças de cor, que o pintor consegue obter com sua pintura.
Sua obra deve ser vista, evidentemente, como formadora de estruturas. Elas não necessitam de metáforas, nem de elementos metafóricos do mundo exterior. Com a mostração de estruturas, Paiva Brasil organiza a cor, dentro de uma relação albersiana. São jogos de cores semelhantes, próximas, que geram um belo jogo ótico, sem exagero.
É uma obra, neste sentido, feita para a pacificação do olhar. Num quadro, unem-se o rosa, o vermelho, cor de vinho. Em um outro, a cor de tijolo, entrelaça-se o vermelho e um vermelho mais escuro. Noutro são tonalidades do azul que servem para elaborar o seu jogo formal e lúdico. Uma exposição bela com a presença de formas abstratas, construídas, que exigem do espectador a aplicação de um só sentido: o da visão.
...São peças para serem vistas em silêncio,...serem um estímulo ao olhar silencioso.
Jornal do Brasil, 31 de julho de 1984